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“Se não aprendemos pelo amor, aprendemos na dor.”

Presta atenção, ó homem, à grande excelência em que te colocou o Senhor Deus, porque te criou e te formou à imagem do seu dileto Filho, segundo o corpo e à sua semelhança segundo o espírito. E todas as criaturas que há sob o céu, à sua maneira, servem, reconhecem e obedecem ao seu Criador melhor do que tu. (Ad 5, 1-2, São Francisco de Assis).

Com estas palavras inspiradoras das admoestações de São Francisco de Assis inicio uma breve reflexão a partir do quinto aniversário da Encíclica Laudato Sí (Louvado Sejas). Convido a pensarmos juntos sobre esta dimensão tão importante para a humanidade: o cuidado com a criação e como ela se relaciona com nosso tempo de pandemia. A encíclica é uma das marcas do pontificado do Papa Francisco, sempre muito preocupado com a conservação e cuidado integral da obra de Deus Criador.

O Papa Francisco chama-nos atenção em sua encíclica sobre o cuidado com a casa comum, propõe a olhar sensívelmente para toda criação, na defesa de uma ecologia integral. Que isto quer dizer? A criação de Deus não pode ser vista de forma fragmentada, em partes isoladas. É preciso defender as matas, mas para isto não se pode matar os animais; é preciso defender os animais, mas para isto não se pode deixar de cuidar das pessoas. A ecologia integral, propõe uma relação harmoniosa e equitativa na defesa dos mais vulneráveis, seja o rio poluído, o ar contaminado, as matas devastadas, os animais extintos ou o ser humano excluído e marginalizado.

É neste contexto amplo que convido cada um de nós a refletir a realidade da pandemia. É insuficiente analisar a pandemia como fato trágico isolado na humanidade, caso contrário pensaríamos que antes estava tudo bem. E se estava, bem para quem? Espécies animais sendo extintas diariamente, matas e mais matas sendo queimadas, índios massacrados e expulsos de suas aldeias, pobres com fome sendo amontoados sem dignidade como ervilhas enlatadas nas periferias das grandes cidades, águas cada vez mais poluídas, e o que dizer do ar? As pessoas das grandes metrópoles até descobriram com a pandemia que no céu, acima delas, ainda há estrelas e que antes não eram mais vistas por conta da contaminação.

Observando a partir deste contexto todo, a “pandemia” começou quando? É claro que o Covid é um vírus muito forte e avassalador, que jamais deve ser subestimado por pessoas com juízo saudável. No entanto, se olhamos a pandemia, dentro de uma análise da Ecologia Integral, veremos que a humanidade estava doente muito antes de surgir o Covid 19. A pandemia vem como uma tragédia para a humanidade. De outro lado, também vem revelar tantas outras calamidades existentes anteriormente a ela.

Cito aqui a fala do Papa Francisco na oração pelo fim da pandemia: Neste nosso mundo, que Tu amas mais do que nós, avançamos a toda velocidade, sentindo-nos em tudo fortes e capazes. Na nossa avidez de lucro, deixamo-nos absorver pelas coisas e transtornar pela pressa. Não nos detivemos perante os teus apelos, não despertamos face a guerras e injustiças planetárias, não ouvimos o grito dos pobres e do nosso planeta gravemente enfermo. Avançamos, destemidos, pensando que continuaríamos sempre saudáveis num mundo doente. Agora nós, sentindo-nos em mar agitado, imploramos-Te: «Acorda, Senhor!».

Isso quer dizer então que estamos em terra arrasada? Jamais. Em meio a uma força destruidora que nos atinge e nos distancia do Criador e do cuidado com sua criação há, ainda, possibilidade de um caminho de conversão. Não apenas em um sentido espiritualista, mas no sentido mais simples da expressão.

Se no caminho que seguimos, visualizamos um abismo à frente, precisamos desacelerar e mudar o rumo. Lembrando: seguimos por uma estrada larga e a mudança implica tomar um caminho mais estreito. A porta da salvação não é a larga, a mais cômoda, mas justamente a estreita, onde precisa ser pensada cuidadosamente a nossa passagem (Mt 7, 13-14).

Esta conversão pode significar dor, as mudanças significam desapegos, inseguranças, novos planejamentos, nova rotina, isto é trabalhoso, por hora sacrificante. Mas na dor também se aprende, ou ainda resistimos e seguimos deixando seguir assim, iludidos que está tudo bem e logo ali a frente sentiremos dor muito maior.

Observando a realidade atual, identifico três perfis de pessoas: os que insistem em continuar com a “normalidade”, acreditando que é isto que lhes convém, pois olham seu próprio umbigo e acham que o mundo precisa girar em torno deles. Os que se acomodaram na servidão, lembramos os israelitas do Antigo Testamento que maldizem o Senhor quando estende o seu braço e os liberta, pois quando escravos no Egito ao menos tinham pão, mesmo que fosse diariamente acompanhado pelo “chicote e mão de ferro” (Êx 16, 3). E por fim, felizmente há aqueles que compreendem que existe a possibilidade e necessidade de conversão e de alguma forma buscam ações de transformação.

Teoricamente pode ser fácil pensar assim, mas na prática como podemos seguir este caminho de conversão? O primeiro passo é a análise muito concreta e sensível da realidade pessoal de vida de cada um: o cuidado com o consumo não por necessidade, mas por prazer e autossatisfação. Um exemplo: nas médias e grandes cidades do brasil, há produção de mais de 1kg de lixo diário por pessoa, somente 5% é reciclado. O restante está causando poluição, doenças e matando, qual a sua contribuição para tal?

Uma segunda possibilidade que temos é a participação e luta na defesa de políticas públicas, entre outras mais. Esse período de pandemia, veio mostrar por exemplo, a tamanha fragilidade no gerenciamento de nossa saúde e educação públicas além de toda desigualdade social, etc.

A saúde pública brasileira expôs tamanha defasagem de leitos, equipamentos, valorização dos profissionais, mas ao mesmo tempo mostrou a riqueza que temos e não podemos abrir mão e deixar de lutar por ela: o nosso SUS. Comparando, o todo poderoso EUA não tem, o atendimento à saúde é privado. Com isso, ficou claro o rosto, cor, classe dos mortos pela pandemia, na sua grande maioria pobres, desempregados, negros, pessoas sem condições de pagar por atendimento privado. Pra se ter uma ideia, o custo médio diário de um leito particular no brasil está acima de 2 mil reais, lembremos: diário. Seria acessível a você? A quantos % da população brasileira?

Enfim, o caminho é longo, talvez árduo, mas necessário. Está na conscientização e na união não por “bandeiras” apenas, mas pela nossa fé e confiança no Senhor e por causas justas e muito concretas que nos levem a refortalecer as organizações de base. Talvez estejamos pensando que o que podemos fazer é pouco, uma gota d’água quando se trata de salvar uma vida que seja já é muito, seja ela humana, animal ou vegetal. Com esperança, concluo com as palavras do Papa Francisco: Senhor, abençoa o mundo, dá saúde aos corpos e conforto aos corações! Pedes-nos para não ter medo; a nossa fé, porém, é fraca e sentimo-nos temerosos. Mas Tu, Senhor, não nos deixes à mercê da tempestade. Continua a repetir-nos: «Não tenhais medo!» (Mt14, 27). E nós, juntamente com Pedro, «confiamos-Te todas as nossas preocupações, porque Tu tens cuidado de nós» (cf. 1 Ped 5, 7).

Frei Rodrigo Cichowicz, OFM

Paz e bem

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